Convivendo diariamente com o multiartista Joba Tridente, após muitas negativas, o
convenci a me conceder uma entrevista sobre os seus 20 anos de Oficineiro Cultural. A promessa foi de total
imparcialidade, o que não é fácil, já que o conheço de longa data. Joba falou das primeiras oficinas, das
viagens por quase todo o estado do Paraná, dos produtos resultantes, dos
oficinandos e dos planos futuros.
EU: Joba, você está completando 20 anos de
Oficineiro Cultural em 2015, qual o balanço que faz dessa jornada de duas
décadas.
Joba
Tridente: Gratificante! Nos primeiros
15 anos de jornada, ao menos. Orientei Oficinas Culturais no interior do Paraná
e em Curitiba. Estive em cidades de uma rua só; favelas; escolas municipais e
estaduais; universidades; feiras culturais e agropecuárias; bibliotecas; praças
e ruas; teatros, instituições disciplinadoras, quartel, semiliberdade, abrigo
de menores, orfanato. Participei dos principais projetos culturais do estado e
do município, como o Comboio Cultural;
Educação Com Ciência; FERA; Bibliomóvel Teatro Guaíra-Paranização; Paraná em Ação, Paraná
Fazendo Arte; Festival de Inverno de
Antonina; BiblioSESC; Ligado na Cultura, entre outros. Cada
viagem foi um aprendizado diferente, também porque o público era diferente,
cada um com a sua carência cultural e, às vezes, social. Já tive oficinandos
que participaram das Oficinas só pra ter com quem conversar, trocar ideias
sobre a arte que faziam ou a vida que levavam.
Comboio Cultural - Parque do Ibirapuera - São Paulo - 2002 |
EU: Por que você disse que o trabalho de
Oficineiro Cultural foi gratificante nos primeiros
15 anos?
JT: É que nos
últimos cinco anos, acho que de 2010 para cá, por conta do expressivo aumento
de oficineiros, inflacionando o mercado cultural, e com o arrocho econômico, as
instituições deixaram de realizar oficinas e ou atender as expectativas dos
interioranos. Eu sou de uma época em que praticamente se contava nos dedos de
uma mão os artistas interessados em se aventurar pelo interior do estado e ou
em favelas na capital para orientar alguma oficina. Eu estava sempre disponível.
Era um tempo sem burocracias, e, principalmente, sem “quem indica” e indicados
picaretas teóricos de caixinha. Era tudo muito simples, bastava apresentar e ou
criar um projeto específico para a Fundação Cultural, as Secretarias Estaduais
e Municipais da Cultura e da Educação... Hoje a burocracia é tanta que só falta
te pedirem exame de DNA, pra saber se você é realmente quem diz ser, e atestado
de vida, provando que não morreu após a última oficina. A prática do lúdico
perdeu o encanto para a teoria sem prática dos mestres doutores fulanos achadores
pós isso e pós aquilo. Os editais são tão confusos e com exigências tão
esdrúxulas que é preciso um manual para desvendá-lo. Tem instituição que nem
sabe a diferença entre cópia e documento original.
EU: Você lembra qual foi a primeira oficina que
criou?
JT: Claro,
foi a de Hai-Kai Sem Compromisso,
para o SESC da Esquina, que orientei em Cascavel, para crianças em fase de
alfabetização e, na sequência, em Francisco Beltrão. Foi fantástico ver
crianças empolgadas, escrevendo seus poemas breves. Inesquecível! Há registro
em VHS. Acho que o SESC deve ter alguma cópia do vídeo e do livreto que fiz com
uma seleção de poemas. Posteriormente trabalhei esta oficina em diversos espaços
culturais, atendendo a crianças, adolescentes e adultos, tanto em Curitiba
quanto no interior do Paraná.
EU: Depois da primeira as outras foram mais
fáceis?
JT: Não me
lembro de ter dito que a Oficina de Hai-Kai
fosse difícil, muito pelo contrário. Foi uma das mais prazerosas e rendia muito
quando o público era formado por crianças e adultos...
Oficina de Boneco Animado - Biblioteca Itinerante - Londrina - 2012 |
EU: Como assim?
JT: É que
a criança não tem receio de errar e acaba acertando sempre, incentivando o
temeroso adulto. Eu falei que Hai-Kai
Sem Compromisso foi a primeira oficina, mas, pensando melhor, pouco antes, uns
dois meses, havia criado Assim Nasce Um
Jornal, em que orientava todo o processo da criação de um veículo de
comunicação. Os oficinandos diziam que os jornais produzidos na Oficina eram
filhotes do Jornal NICOLAU, que fiz
direção de arte por cinco anos. Depois das duas Oficinas vieram: Contando Histórias - A Arte de Escrever;
Poesia Aleatória - Reciclando a Palavra;
Arte Postal; Poética Postal; InterAtividades;
Contando Histórias Com Bonecos Animados;
Brinquedo Que Se Faz Brincando; Mil e Uma Reutilização da Embalagem de
Pizza entre outras. Ah, e todas elas são 100% práticas e resultam em algum
produto: livretos, brinquedos, bonecos, banco de palavras e imagens...
EU: Há alguma que gosta mais de trabalhar?
JT: Agora
você me pegou! Cara, não sei dizer. Acho que depende do rendimento com os
oficinandos. Quando há entrega do público, qualquer uma dela flui que é uma
beleza. Gosto muito quando o oficinando descobre as possibilidades da Poesia Aleatória e ou do Hai-Kai, seja uma criança de sete, oito
anos ou um octogenário. Fico extasiado com a reinvenção dos bonecos e ou
brinquedos propostos..., admirado com as colagens da Arte Postal e até estarrecido com as composições espontâneas na InterAtiviade. É difícil, dizer uma, já
que todas provocam sensações e resultados inusitados.
Oficina de Poesia Aleatória - Colombo - 2013 |
EU: E perguntando assim: Hai-Kai Sem Compromisso
ou Poesia Aleatória?
JT: Ah,
piorou! Elas até podem parecer diferentes na proposta e no propósito, mas têm
algo em comum no resultado criativo. Por exemplo, com Hai-Kai Sem Compromisso a gente vai a campo e o oficinando registra
as imagens despercebidas do seu cotidiano, enquanto que com a Poesia Aleatória ele recicla não apenas
as palavras, mas também as imagens jogadas fora. Em ambas há um resgate, seja de
imagem (que vira verbo e novamente imagem) e ou de palavras que reviram o verbo
em outras significâncias.
EU: E as Oficinas de Bonecos ou de Brinquedos, qual
é o público que atrai?
JT: Todos!
São Oficinas que tanto as crianças quanto os adultos podem surpreender. Já vivi
momentos inimagináveis, com o resultado da Oficina
de Bonecos Animados para professores. Só pra dar um exemplo, certa vez, se
não me engano, em Ipiranga, a apresentação final das professoras foi
transmitida, ao vivo, pela rádio local. Hilário! Surreal demais! Onde já se
viu, ou melhor, se ouviu teatro de boneco transmitido pelas ondas do rádio?
EU: Com tanto tempo de estrada deve ter muita
história pra contar, hein?
JT: E bota
história nisso! Na época do Comboio Cultural, comecei a fazer um
registro, uma espécie de diário, entrevistei outros oficineiros, mas, quando
fazia revisão e edição do texto, tive problema com o computador e perdi tudo.
Na verdade não sei se perdi, está tudo num HD aparentemente danificado. Espero
um dia recuperar, porque tem também outros livros prontos ali. Outro projeto
que me rendeu grande aprendizado foi o Educação
Com Ciência, da Secretaria de Educação. Nunca vou me esquecer da vez em que
contei histórias numa rodoviária, enquanto esperava o ônibus...
EU: As crônicas Cidades Minguantes faziam parte
do arquivo que perdeu?
JT: Sim e
não! Escrevi Cidades
Minguantes durante o projeto Comboio
Cultural (2001/2002), mas, como foram publicadas pelo jornal Gazeta do Povo, acabei salvando em CD.
Ainda bem!
EU: Você, com certeza, já trabalhou com todo
tipo de público, há algum preferencial?
JT: Acho
que, de certo modo, já respondi a esta pergunta. Mas, vamos lá! Depende muito da
Oficina e da motivação dos oficinandos. Já encontrei, numa mesma sala de aula, tanto
gente inconveniente quanto extremamente interessada. Ou seja, tudo pode
acontecer, até mesmo o público infantil dar um retorno mais imediato que o adulto.
O adolescente é o mais complicadinho!
EU: Há mais o que comemorar e ou o que lamentar
nestes 20 anos?
JT:
Comemorar, é claro! Lamento apenas pelos últimos anos e pelo descaso municipal,
estadual e federal com a educação e com a cultura. Aprendi muito na estrada, onde
vivi momentos inesquecíveis, inspiradores e de surpreendente carinho.
EU: Aposentadoria?
JT: Esta é
uma premiação difícil para um artista autônomo. Mesmo trabalhando, desde a
adolescência, em outras ocupações, não tenho muitos anos de registros em carteira.
Mas ando juntando os cacos dos RPA.
EU: Por falar em aposentadoria, um oficineiro é
bem remunerado?
JT:
Depende de quem o contrata. Participei de projetos muito bem remunerados e de
outros que pagavam uma miséria. Você pode perguntar: Se pagavam tão pouco, por que aceitar o trabalho? Pelo o prazer de
compartilhar arte e cultura. Ainda que este prazer me levasse para cidades de
uma rua só e até a me hospedar em hotéis com banheiro coletivo. Mas também já
fiquei em hotel cinco estrelas. Basicamente depende de quem te contrata e da
tua necessidade de trabalho...
EU: Alguma novidade ainda para 2015?
JT: Sim!
Estou retomando a Oficina Hai-Kai Sem
Compromisso e criei a Oficina Exercitando o Olhar - Eu Vejo O Que Você
Não Vê.
EU: Como as pessoas podem ter acesso às suas
Oficinas Culturais.
JT:
Através dos meus blogs. Ou melhor, do blog Afetos
Culturais, criado exclusivamente para divulgar material das oficinas:
sinopses, resultados, contos, passo a passo etc. Anteriormente publicava no Lixo Que Vira Arte, mas como comecei a
misturar oficinas com trabalhos pessoais de artes plásticas, decidi por criar
um novo espaço.
EU: E por falar em blogs, você tem mais dois, se
não me engano?
JT: Sim, o
Claque ou Claquete, basicamente de
crítica de cinema, e o Falas ao Acaso,
onde publico a minha produção literária e a de quem me interessar, independente
do período, gênero ou “escola”. Ambos criados em 2009.
EU: Joba, obrigado pela sua atenção. Tem muita
coisa que gostaria de perguntar, como, por exemplo, a sua experiência como
Contador de Histórias..., mas acho que vai ficar pra uma próxima oportunidade,
pois me parece que já nos estendemos para além do espaço...
JT: Quem
sabe?! Se algum leitor também quiser algo mais, é só perguntar nos comentários!
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