domingo, 26 de julho de 2015

Selfientrevista com Joba Tridente


Convivendo diariamente com o multiartista Joba Tridente, após muitas negativas, o convenci a me conceder uma entrevista sobre os seus 20 anos de Oficineiro Cultural. A promessa foi de total imparcialidade, o que não é fácil, já que o conheço de longa data. Joba falou das primeiras oficinas, das viagens por quase todo o estado do Paraná, dos produtos resultantes, dos oficinandos e dos planos futuros.  

EU: Joba, você está completando 20 anos de Oficineiro Cultural em 2015, qual o balanço que faz dessa jornada de duas décadas.
Joba Tridente: Gratificante! Nos primeiros 15 anos de jornada, ao menos. Orientei Oficinas Culturais no interior do Paraná e em Curitiba. Estive em cidades de uma rua só; favelas; escolas municipais e estaduais; universidades; feiras culturais e agropecuárias; bibliotecas; praças e ruas; teatros, instituições disciplinadoras, quartel, semiliberdade, abrigo de menores, orfanato. Participei dos principais projetos culturais do estado e do município, como o Comboio Cultural; Educação Com Ciência; FERA; Bibliomóvel Teatro Guaíra-Paranização; Paraná em Ação, Paraná Fazendo Arte; Festival de Inverno de Antonina; BiblioSESC; Ligado na Cultura, entre outros. Cada viagem foi um aprendizado diferente, também porque o público era diferente, cada um com a sua carência cultural e, às vezes, social. Já tive oficinandos que participaram das Oficinas só pra ter com quem conversar, trocar ideias sobre a arte que faziam ou a vida que levavam.

Comboio Cultural - Parque do Ibirapuera - São Paulo - 2002

EU: Por que você disse que o trabalho de Oficineiro Cultural foi gratificante nos primeiros 15 anos?
JT: É que nos últimos cinco anos, acho que de 2010 para cá, por conta do expressivo aumento de oficineiros, inflacionando o mercado cultural, e com o arrocho econômico, as instituições deixaram de realizar oficinas e ou atender as expectativas dos interioranos. Eu sou de uma época em que praticamente se contava nos dedos de uma mão os artistas interessados em se aventurar pelo interior do estado e ou em favelas na capital para orientar alguma oficina. Eu estava sempre disponível. Era um tempo sem burocracias, e, principalmente, sem “quem indica” e indicados picaretas teóricos de caixinha. Era tudo muito simples, bastava apresentar e ou criar um projeto específico para a Fundação Cultural, as Secretarias Estaduais e Municipais da Cultura e da Educação... Hoje a burocracia é tanta que só falta te pedirem exame de DNA, pra saber se você é realmente quem diz ser, e atestado de vida, provando que não morreu após a última oficina. A prática do lúdico perdeu o encanto para a teoria sem prática dos mestres doutores fulanos achadores pós isso e pós aquilo. Os editais são tão confusos e com exigências tão esdrúxulas que é preciso um manual para desvendá-lo. Tem instituição que nem sabe a diferença entre cópia e documento original.

EU: Você lembra qual foi a primeira oficina que criou?
JT: Claro, foi a de Hai-Kai Sem Compromisso, para o SESC da Esquina, que orientei em Cascavel, para crianças em fase de alfabetização e, na sequência, em Francisco Beltrão. Foi fantástico ver crianças empolgadas, escrevendo seus poemas breves. Inesquecível! Há registro em VHS. Acho que o SESC deve ter alguma cópia do vídeo e do livreto que fiz com uma seleção de poemas. Posteriormente trabalhei esta oficina em diversos espaços culturais, atendendo a crianças, adolescentes e adultos, tanto em Curitiba quanto no interior do Paraná.

EU: Depois da primeira as outras foram mais fáceis?
JT: Não me lembro de ter dito que a Oficina de Hai-Kai fosse difícil, muito pelo contrário. Foi uma das mais prazerosas e rendia muito quando o público era formado por crianças e adultos...

Oficina de Boneco Animado - Biblioteca Itinerante - Londrina - 2012

EU: Como assim?
JT: É que a criança não tem receio de errar e acaba acertando sempre, incentivando o temeroso adulto. Eu falei que Hai-Kai Sem Compromisso foi a primeira oficina, mas, pensando melhor, pouco antes, uns dois meses, havia criado Assim Nasce Um Jornal, em que orientava todo o processo da criação de um veículo de comunicação. Os oficinandos diziam que os jornais produzidos na Oficina eram filhotes do Jornal NICOLAU, que fiz direção de arte por cinco anos. Depois das duas Oficinas vieram: Contando Histórias - A Arte de Escrever; Poesia Aleatória - Reciclando a Palavra; Arte Postal; Poética Postal; InterAtividades; Contando Histórias Com Bonecos Animados; Brinquedo Que Se Faz Brincando; Mil e Uma Reutilização da Embalagem de Pizza entre outras. Ah, e todas elas são 100% práticas e resultam em algum produto: livretos, brinquedos, bonecos, banco de palavras e imagens...

EU: Há alguma que gosta mais de trabalhar?
JT: Agora você me pegou! Cara, não sei dizer. Acho que depende do rendimento com os oficinandos. Quando há entrega do público, qualquer uma dela flui que é uma beleza. Gosto muito quando o oficinando descobre as possibilidades da Poesia Aleatória e ou do Hai-Kai, seja uma criança de sete, oito anos ou um octogenário. Fico extasiado com a reinvenção dos bonecos e ou brinquedos propostos..., admirado com as colagens da Arte Postal e até estarrecido com as composições espontâneas na InterAtiviade. É difícil, dizer uma, já que todas provocam sensações e resultados inusitados.

Oficina de Poesia Aleatória - Colombo - 2013

EU: E perguntando assim: Hai-Kai Sem Compromisso ou Poesia Aleatória?
JT: Ah, piorou! Elas até podem parecer diferentes na proposta e no propósito, mas têm algo em comum no resultado criativo. Por exemplo, com Hai-Kai Sem Compromisso a gente vai a campo e o oficinando registra as imagens despercebidas do seu cotidiano, enquanto que com a Poesia Aleatória ele recicla não apenas as palavras, mas também as imagens jogadas fora. Em ambas há um resgate, seja de imagem (que vira verbo e novamente imagem) e ou de palavras que reviram o verbo em outras significâncias.

EU: E as Oficinas de Bonecos ou de Brinquedos, qual é o público que atrai?
JT: Todos! São Oficinas que tanto as crianças quanto os adultos podem surpreender. Já vivi momentos inimagináveis, com o resultado da Oficina de Bonecos Animados para professores. Só pra dar um exemplo, certa vez, se não me engano, em Ipiranga, a apresentação final das professoras foi transmitida, ao vivo, pela rádio local. Hilário! Surreal demais! Onde já se viu, ou melhor, se ouviu teatro de boneco transmitido pelas ondas do rádio?


EU: Com tanto tempo de estrada deve ter muita história pra contar, hein?
JT: E bota história nisso!  Na época do Comboio Cultural, comecei a fazer um registro, uma espécie de diário, entrevistei outros oficineiros, mas, quando fazia revisão e edição do texto, tive problema com o computador e perdi tudo. Na verdade não sei se perdi, está tudo num HD aparentemente danificado. Espero um dia recuperar, porque tem também outros livros prontos ali. Outro projeto que me rendeu grande aprendizado foi o Educação Com Ciência, da Secretaria de Educação. Nunca vou me esquecer da vez em que contei histórias numa rodoviária, enquanto esperava o ônibus...

EU: As crônicas Cidades Minguantes faziam parte do arquivo que perdeu?
JT: Sim e não! Escrevi Cidades Minguantes durante o projeto Comboio Cultural (2001/2002), mas, como foram publicadas pelo jornal Gazeta do Povo, acabei salvando em CD. Ainda bem!

EU: Você, com certeza, já trabalhou com todo tipo de público, há algum preferencial?
JT: Acho que, de certo modo, já respondi a esta pergunta. Mas, vamos lá! Depende muito da Oficina e da motivação dos oficinandos. Já encontrei, numa mesma sala de aula, tanto gente inconveniente quanto extremamente interessada. Ou seja, tudo pode acontecer, até mesmo o público infantil dar um retorno mais imediato que o adulto. O adolescente é o mais complicadinho!

EU: Há mais o que comemorar e ou o que lamentar nestes 20 anos?
JT: Comemorar, é claro! Lamento apenas pelos últimos anos e pelo descaso municipal, estadual e federal com a educação e com a cultura. Aprendi muito na estrada, onde vivi momentos inesquecíveis, inspiradores e de surpreendente carinho.

EU: Aposentadoria?
JT: Esta é uma premiação difícil para um artista autônomo. Mesmo trabalhando, desde a adolescência, em outras ocupações, não tenho muitos anos de registros em carteira. Mas ando juntando os cacos dos RPA.

EU: Por falar em aposentadoria, um oficineiro é bem remunerado?
JT: Depende de quem o contrata. Participei de projetos muito bem remunerados e de outros que pagavam uma miséria. Você pode perguntar: Se pagavam tão pouco, por que aceitar o trabalho? Pelo o prazer de compartilhar arte e cultura. Ainda que este prazer me levasse para cidades de uma rua só e até a me hospedar em hotéis com banheiro coletivo. Mas também já fiquei em hotel cinco estrelas. Basicamente depende de quem te contrata e da tua necessidade de trabalho...


EU: Alguma novidade ainda para 2015?
JT: Sim! Estou retomando a Oficina Hai-Kai Sem Compromisso e criei a Oficina Exercitando o Olhar - Eu Vejo O Que Você Não Vê.

EU: Como as pessoas podem ter acesso às suas Oficinas Culturais.
JT: Através dos meus blogs. Ou melhor, do blog Afetos Culturais, criado exclusivamente para divulgar material das oficinas: sinopses, resultados, contos, passo a passo etc. Anteriormente publicava no Lixo Que Vira Arte, mas como comecei a misturar oficinas com trabalhos pessoais de artes plásticas, decidi por criar um novo espaço.

EU: E por falar em blogs, você tem mais dois, se não me engano?
JT: Sim, o Claque ou Claquete, basicamente de crítica de cinema, e o Falas ao Acaso, onde publico a minha produção literária e a de quem me interessar, independente do período, gênero ou “escola”. Ambos criados em 2009.

EU: Joba, obrigado pela sua atenção. Tem muita coisa que gostaria de perguntar, como, por exemplo, a sua experiência como Contador de Histórias..., mas acho que vai ficar pra uma próxima oportunidade, pois me parece que já nos estendemos para além do espaço...

JT: Quem sabe?! Se algum leitor também quiser algo mais, é só perguntar nos comentários!

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